Menores infratores devem começar a deixar unidades do Degase nesta segunda-feira (10) — Foto: Reprodução / TV Globo
Cerca de 400 adolescentes infratores internados em unidades socioeducativas no Rio de Janeiro vão ganhar a liberdade a partir desta segunda-feira (10).
A liberação atende a uma decisão do ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal (STF), para evitar a superlotação das unidades de internação, como as geridas pelo Degase.
O Degase é um órgão do Estado do RJ responsável pela execução das medidas socioeducativas, previstas no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), e aplicadas pelo Poder Judiciário a jovens em conflito com a lei.
Contas e pontos
No dia 22 do mês passado, o ministro determinou que unidades de internação do Ceará, Bahia, Pernambuco e Rio de Janeiro não podem ultrapassar o limite de 119% da capacidade planejada.
Pela medida de Fachin, se uma instalação com capacidade para 200 internos estiver com 250 menores, por exemplo, terá de dispensar pelo menos 10.
A Justiça fluminense também definiu que passe a valer um sistema de pontos para decidir quais adolescentes podem ser soltos. A avaliação permite que menores envolvidos em crimes considerados leves sejam soltos.
Famílias intimadas
Nesta segunda-feira, cerca de 50 adolescentes devem ganhar a liberdade. Eles cometeram crimes de menor potencial ofensivo, como furto, receptação, invasão de domicílio e tráfico de drogas sem o uso de armas.
O Degase será comunicado e, na terça (11), os infratores e suas famílias serão intimados. Cada caso está sendo analisado individualmente e a Justiça está emitindo as decisões em comum acordo com o Ministério Público.
No despacho, Fachin também ordenou que, se não houver unidades vazias, os jovens devem passar a cumprir internação domiciliar.
Os promotores do Centro de Apoio Operacional da Infância e Juventude estão analisando os casos. Um dos fatores importantes para as decisões é a conjuntura familiar dos jovens. Será dada prioridade àqueles que tem mais estrutura familiar.
Outra decisão da Justiça permitiu a criação de um sistema de pontos para cada adolescente de acordo com a gravidade das infrações, uma espécie de central de vagas proposta conjuntamente pelo MP, pela Defensoria e pela Justiça.
A central vai ser implementada, mas não vai valer para decidir quais serão os jovens soltos ao longo das próximas semanas, apenas para aqueles que futuramente ingressarão no sistema.
A ideia da central, no entanto, não é unânime. A procuradora Flávia Ferrer, do MP-RJ, está recorrendo da decisão da 14ª Câmara Cível do TJ-RJ que permitiu sua implementação, mas, ainda que o recurso seja concedido, a obrigação de liberar os jovens proveniente da decisão do ministro Fachin permanece inalterada.
Como funciona o sistema:
Quem cometeu infrações consideradas mais graves, como homicídio, acumula 50 pontos.
Infrações apontadas como menos graves, como tráfico de drogas, 10 pontos.
Em princípio, quem entrar no sistema do Degase com uma pontuação baixa poderá cumprir a medida socioeducativa numa espécie de regime domiciliar.
Uma terceira decisão do Tribunal de Justiça do Rio vetou o uso de tornozeleiras eletrônicas pelos adolescentes que estiverem cumprindo medidas fora do Degase. Eles deverão comparecer semanalmente ao juizado como forma de monitoramento.
O julgamento do mérito da decisão do ministro Edson Fachin no STF está previsto para o dia 25. A Procuradoria-Geral do Estado do Rio já recorreu da decisão. Caso seja revertida, será preciso emitir mandados de busca e apreensão para os adolescentes infratores que vão sair nos próximos dias.
Unidades de cumprimento de medidas socioeducativas estão superlotadas — Foto: Reprodução / TV Globo
'Estado não cumpre obrigação', diz juíza
A juíza Lúcia Glioche, titular da Vara de Execução de Medidas Socioeducativas, afirmou em entrevista ao Bom Dia Rio que a liberação dos adolescentes está atrelada ao comprometimento dos familiares com o futuro dos menores.
“A unidade vai entrar em contato com a família dos adolescentes e ele só será liberado depois que um responsável comparecer. O critério usado observa quem tem amparo familiar. Se o adolescente não contar com isso, é impossível qualquer tentativa de ressocialização fora da unidade”, destacou a juíza.
A magistrada ressalta que é obrigatório que eles frequentem a escola, sob risco de ter que retornar à unidade de internação. Ela reconhece que o sistema é inadequado e que os menores saem das instituições piores do que entraram, pois são semelhantes às prisões.
“O que acontece de verdade, nas unidades de internação, é que o Estado não cumpre a sua obrigação. O menor ingressa na internação porque praticou um ato infracional, um crime, porque estava evadido da escola. E lá dentro ele não volta a estudar. Ele fica isolado, em um alojamento preso por diversos horários, em ócio”, explicou Glioche.
A juíza também citou o relatório da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), divulgado no ano passado, que afirmava que o Centro Socioeducativo Dom Bosco não cumpre a tarefa de recuperar menores de idade.
"A unidade vive um desvio integral da sua finalidade institucional, ante a ausência de atividades socioeducativas e claras características de um verdadeiro presídio", destacou o documento.
Para o Ministério Público, a medida ameaça tanto as pessoas nas ruas quanto os próprios adolescentes.
“É um prêmio pela inércia do Estado, que lava as mãos e quem vai pagar por isso é a sociedade e o próprio adolescente. Quando se verificar que um adolescente, por exemplo, não pode ser privado de liberdade por tráfico, você tem alguma dúvida de que toda a linha de frente do tráfico vai ser composta por adolescentes?”, questionou a procuradora Flávia Ferrer.
Via O Globo
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