Células-tronco são usadas em transplantes semelhantes ao de medula. Material é retirado durante o parto, logo após o nascimento do bebê.
Mal saiu do ventre da mãe, o pequeno Pedro Bub, de São Paulo, já era um doador de sangue.
E não era um sangue qualquer: o líquido estava dentro do seu cordão umbilical, cheio de células-tronco, e seria jogado fora, mas foi recolhido para congelamento e poderá servir para curar alguém com leucemia.
Esse tipo de doação, consentida pela mãe, tem crescido no Brasil.
O material guardado é usado em cirurgias iguais aos transplantes de medula, feitos em pessoas que têm doenças do sangue, como leucemia ou anemia falciforme, e que não encontram doadores compatíveis em sua família.
Em vez de injetar no corpo do doente as células da medula, são colocadas as células-tronco do cordão umbilical.
“Já fizemos quase cem transplantes com cordões umbilicais da BrasilCord [a rede brasileira de bancos públicos de cordão]”, conta Luís Bouzas, diretor do Centro de Transplantes de Medula Óssea do Instituto Nacional de Câncer (Inca), no Rio de Janeiro. Segundo ele, hoje a BrasilCord já tem mais de oito mil cordões armazenados.
As células-tronco do cordão umbilical são mantidas em ‘supergeladeiras’ a menos de -190°C, e podem durar mais de 18 anos. (Foto: Maurilo Clareto – Sírio-Libanês/Divulgação)
Na hora de achar um doador compatível, o sangue umbilical traz mais esperança para os doentes. “No transplante com células-tronco de medula óssea, para que o resultado seja positivo é necessário um grau de compatibilidade de 100%.
O sangue de cordão permite que se faça com apenas 70% de compatibilidade”, explica o médico do Inca.
Outra vantagem do sangue do cordão é que o doador não tem de fazer exames e nem se apresentar ao hospital para a retirada das células – etapas que costumam estender o tempo do transplante.
“Os cordões são uma fonte de células-tronco que já está pronta para uso. Há pacientes que não têm tempo [de esperar por um doador compatível]”, afirma Andreza Ribeiro, coordenadora do banco público de cordão umbilical mantido pelo Hospital Albert Einstein, em São Paulo.
Parto tranquilo
Para as mães, o procedimento é simples. “Eu só percebi que eles colheram o material na hora em que a enfermeira da coleta me agradeceu pela doação. Não dói, não aumenta o tempo de trabalho de parto”, conta a médica Carolina Bub, que deu à luz Pedro há menos de um mês.
Estamos desenvolvendo uma espécie de kit com informações deLuís Bouzas, do Inca.
O sangue é retirado do cordão umbilical logo depois do parto. Já no laboratório, são eliminados os glóbulos vermelhos e o plasma, sobrando cerca de 20 mililitros com as células-tronco.
Em uma bolsa especial, o material é armazenado em uma “supergeladeira” a menos de 190 graus Celsius negativos, em nitrogênio líquido.
Os dados sobre as células entram em um sistema federal onde quem precisa de transplante pode buscar sangue compatível. No Brasil, dois bancos públicos também participam de uma rede internacional, que fornece sangue a doentes de outros países.
“Temos dados de células que foram congeladas há 18 anos e ainda têm boa viabilidade [para transplantes], mas pode ser que durem muito mais que isso”, conta a médica Poliana Patah, diretora do banco público de cordões do Hospital Sírio-Libanês, na capital paulista.
Poucas maternidades
Como a rede pública para a coleta de cordões é pequena, a mãe que quiser doar terá que fazer o parto em hospitais vinculados a um banco público de cordões. Em São Paulo, o material é coletado em apenas três maternidades.
“Estamos desenvolvendo uma espécie de kit com informações de como coletar esse material. Dessa forma, talvez possamos congelar cordões para quem quiser doar mas não dará à luz em maternidades conveniadas aos bancos públicos”, relata Bouzas, do Inca.
Bancos particulares
Ao mesmo tempo em que a rede pública se prepara para receber mais bancos de cordão, aumenta a procura pelos bancos particulares. Nestes, as células-tronco são guardadas para o uso da própria família, para transplantes relacionados a doenças do sangue ou em futuras aplicações que a ciência possa desenvolver.
Os bancos privados criam uma expectativa de que esse material será usado para tudo o que existe na medicina. Isso é um absurdo, não é verdade”; diz Luís Bouzas.
A existência desses bancos, contudo, ainda gera muita polêmica entre os médicos. “Os bancos privados criam uma expectativa de que esse material será usado para tudo o que existe na medicina. Isso é um absurdo, não é verdade”, afirma o médico do Inca.
Segundo ele, os cordões são aprovados apenas para transplantes semelhantes ao de medula. “Qualquer outra coisa é experimental ou já foi refutada pela pesquisa.”
São as técnicas experimentais, contudo, que chamam a atenção das famílias na hora de contratar esse serviço, que custa cerca de R$ 3.500 no momento do nascimento do bebê e mais R$ 500 por ano para manutenção.
“São mais de trezentas doenças que podem vir a ser tratadas com terapia celular”, defende o médico Carlos Alexandre Ayoub, diretor clínico de um banco de cordão particular em São Paulo.
A médica Andreza Ribeiro, do Albert Einstein, afirma que a legislação brasileira respalda o armazenamento particular, “mas falando em termos médicos, há um questionamento da utilidade. Eu não condeno, mas não recomendo.
Não congelar o cordão não significa que a mãe está sendo displicente [com a saúde do filho]”, afirma.
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